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Referência: LEFFA, V. J.; BEVILÁQUA, A. F. Aprendizagem ergódica: a busca do hipertexto responsivo no ensino de línguas. Revista Língua & Literatura (Online), v. 21, p. 99-117, 2019.

APRENDIZAGEM ERGÓDICA:
A BUSCA DO HIPERTEXTO RESPONSIVO NO ENSINO DE LÍNGUAS

ERGODIC LEARNING:
IN SEARCH OF THE RESPONSIVE HIPERTEXT IN LANGUAGE TEACHING

Vilson J. Leffa
André Firpo Beviláqua

Resumo: Um dos desafios para o professor de línguas é conseguir adaptar seu ensino aos recursos disponíveis para a aprendizagem do aluno. O objetivo deste texto é demonstrar a evolução que caracteriza o aprimoramento desses recursos, incorporando ao código estático, impresso em papel, o código líquido, digitalmente responsivo ao gesto do usuário. Como metodologia de pesquisa, busca-se descrever a evolução que se inicia com o ensino expositivo, onde o aluno recebe o conhecimento de pessoas e livros, até chegar às aprendizagens criativas, onde o aluno, promovido a estudante, constrói seu próprio conhecimento. Finalmente, recorre-se ao termo “aprendizagem ergódica”, para mostrar a distribuição da agência entre pessoas e recursos; o que era apenas código estático no contexto analógico adquire a capacidade de agir e interagir no contexto digital. A conclusão é de que a aprendizagem ergódica implica uma mudança nas relações entre alunos, professores e os recursos de seu entorno.

Palavras-chave: Aprendizagem ergódica. Agência distribuída. Hipertexto responsivo. Aprendizagem criativa.

 

Introdução

Um olhar panorâmico sobre a história da educação ao longo do tempo e em diferentes lugares pode passar ao observador a falsa impressão de que há diversas maneiras de aprender, desde a simples exposição ao conteúdo, em que o aluno é iluminado pelas informações transmitidas de alguma fonte qualificada como o livro ou o professor, até o engajamento ativo do estudante, que constrói seu conhecimento com os recursos disponíveis em seu entorno. Defendemos que essa diversidade do conceito de aprender é falsa porque tenta fundir em um só conceito duas acepções diferentes do que significa ensinar e aprender. Para demonstrar essa falsidade, fazemos inicialmente uma diferença entre “aluno” e “estudante”, vendo aluno como objeto do verbo ensinar e estudante como sujeito do verbo aprender. Ainda que não defendamos a etimologia para explicar o sentido das palavras, é relevante lembrar que aluno vem da palavra latina “alumnus”, entendido como aquele que precisa ser alimentado (BRISOLARA, 2016), ao passo que estudante vem do latim “studiosus”, palavra que designa aquele que “ama o que faz, que ama aprender” (ESTUDANTE, 2019). A ideia de que estudante é alguém que tem prazer em aprender, ao contrário do aluno que deseja apenas receber um saber já construído (REIS, 2016), é relevante para a tese que pretendemos demonstrar.


A palavra aluno está associada ao ensino expositivo, com a ideia de que conhecimento é informação depositada em objetos como livros, arquivos etc. ou um saber confiado a pessoas como professores, filósofos, especialistas, doutores etc. – posteriormente passado ao aluno, que, à medida que recebe, vai acumulando essa informação (KRISHNAMURTI, 1967/2017). A aprendizagem, na perspectiva do ensino expositivo, é um processo receptivo que envolve ler o que outros escreveram e ouvir o que outros disseram, com base na presunção de que toda essa informação seja receptivamente absorvida pelo aluno. O termo utilizado com frequência para definir esse processo, principalmente quando o aluno segue explicações e instruções verbais, é instrucionismo, uma forma de pedagogia diretiva (BECKER, 2012), geralmente vista com reservas por pesquisadores na área da pedagogia (PAPERT, 1997; DEMO, 2015), mas ainda de uso constante na atualidade (VASCONCELOS et al, 2015).


Já a palavra estudante está mais associada à aprendizagem ativa, em que o aprendiz deixa de ser um receptor de informações para se transformar em alguém que é capaz não apenas de descobrir o conhecimento, mas até de construí-lo pelo seu engajamento em atividades de aprendizagem. Vemos aprendizagem ativa como um termo guarda-chuva que abrange várias teorias e práticas de aprendizagem, incluindo, entre outras, a aprendizagem híbrida (HORN; STAKER, 2015), sala de aula invertida (BISHOP; VERLEGER, 2013) e teoria da atividade (ENGESTRÖM; MIETTINEN; PUNAMÄKI, 1999).


Para concluir este trabalho, trazemos o conceito de aprendizagem ergódica, não como uma nova abordagem educacional, mas como um aspecto da aprendizagem ativa. Na aprendizagem ergódica, a ação emerge e se distribui não apenas entre pessoas, mas entre pessoas e objetos, envolvendo conceitos como pós-humanismo (PENNYCOOK, 2017), agência distribuída (LATOUR, 1988; RAMMERT, 2008) e realidade aumentada (MARTÍN-GUTIÉRREZ et al, 2015). Quando passamos do ensino expositivo para aprendizagem ativa ainda permanecemos no mesmo mundo, com os seres humanos de um lado e os objetos do outro. Quando chegamos na aprendizagem ergódica entramos em um mundo diferente, em que a fronteira entre os dois lados é derrubada, fundindo sujeitos com objetos e trazendo para a educação o conceito de realidade aumentada. Muitas atividades, que eram executadas apenas por seres humanos, agora são executadas também por objetos.


O recorte que fazemos aqui tem como pano de fundo uma visão pedagógica que, em linhas gerais, evolui do instrucionismo para o construtivismo e daí para o conectivismo (HEICK, 2017; MATTAR, 2018). Sobre esse pano de fundo, propomos uma progressão que: (1) começa com o ensino expositivo, baseado no conceito de aluno como discípulo que recebe instrução; (2) evolui para a aprendizagem ativa, com base no conceito de estudante como aquele que usa os recursos disponíveis em seu entorno para construir o conhecimento; (3) e se completa na aprendizagem ergódica, com base no conceito de aprendiz, que incorpora os conceitos de aluno e estudante, capaz de interagir produtivamente com os recursos responsivos que o rodeiam, não apenas construindo conhecimento, muitas vezes por simulação, mas produzindo objetos reais, capazes de modificar o mundo em que vive. É o que tentaremos explicitar nas próximas seções, tendo como ambição maior contribuir para o trabalho do professor que procura atender aos interesses, necessidades e estilos de aprendizagem de seus alunos.

 

Ensino expositivo

A teoria da ciência pressupõe, para cada área do conhecimento, uma sucessão de paradigmas que, segundo Kuhn (2005), são substituídos por outros quando não conseguem mais resolver os problemas apresentados pela natureza. Essa substituição implica também a rejeição sumária de qualquer possível contribuição dos paradigmas descartados. Para Kuhn, a ciência é, na teoria, um movimento revolucionário e cíclico, que recomeça do zero a cada paradigma.


Por outro lado, quando olhamos para o ensino de línguas, o que vemos na sala de aula é muito diferente do que vemos na teoria, com práticas renitentes que permanecem intactas ao longo dos tempos. Um exemplo desse tipo de prática, teoricamente execrada ao longo da história, mas na prática constante até hoje, é o ensino expositivo, mostrando que, além da polaridade entre paradigmas, temos também uma polaridade extrema entre a teoria e a prática. A preferência pela exposição é constatada não só na sala de aula presencial (VASCONCELOS et al., 2015), mas também em ambientes virtuais, como mostra o sucesso da Khan Academy, uma proposta de ensino explicitamente baseada no uso intensivo de tutoriais por meio de vídeos expositivos.


Veremos, nesta seção, alguns aspectos essenciais que caracterizam o ensino expositivo. Trazemos para isso a visão do conhecimento como algo já construído para ser apenas transmitido ao aluno; desenvolvemos o conceito de instrucionismo, com foco no desempenho do professor; e apresentamos propostas práticas e teóricas do ensino expositivo, considerando dois nomes importantes da área, iniciando com Gagné (1962), representando o instrucionismo, e Ausubel (2000), que faz a ponte entre o instrucionismo e abordagens significativas, incluindo aí tentativas de aproximação com o aluno.


O ensino expositivo caracteriza-se essencialmente pela transmissão de conteúdo que se propaga de uma fonte única para muitos receptores. A fonte única de transmissão pode ser o livro, o vídeo e principalmente o professor; os receptores são os leitores do livro, os espectadores do vídeo e principalmente os alunos do professor. A direção da informação vai tipicamente da fonte para o receptor por uma via de sentido único, normalmente sem retorno para a fonte, e consequentemente com possibilidade muito reduzida de diálogo. Em princípio, quanto maior a diferença entre a fonte e o número de receptores, menor a possibilidade de diálogo. Uma aula com base em um vídeo transmitido para milhares de espectadores ou um livro lido por um milhão de leitores reduz extremamente a possibilidade de interação entre os dois lados, às vezes feita por amostragem: dois ou três alunos, representando a multidão, são escolhidos para interagirem online com o professor, enquanto o resto continua como espectador. O que temos aí é uma espécie de interação representativa e indireta, em que o aluno é representado por outro na relação com o professor, sem possibilidade de uma interação participativa e direta, com base no engajamento do próprio aluno. Essa interação por representação pode surgir também em situações presenciais, principalmente com turmas grandes de alunos, em que apenas alguns têm a oportunidade de interagir com o professor. Por regra, também no ensino presencial, quanto maior a turma, menor a possibilidade de interação com o professor.


O que se percebe na prática presencial, mesmo em turmas menores, é a supremacia do tempo de fala do professor (WALSH, 2006), às vezes dividido com o uso do livro-texto. Com a interação restrita, sem a possibilidade de sanar dúvidas, o conteúdo precisa ser segmentado e transmitido sequencialmente para todos em pequenas doses, como se o aluno fosse um recipiente de gargalo estreito, ligado a um centro distribuidor de conhecimento. É o que vemos acontecer, por exemplo, com vários aplicativos de ensino de línguas, onde a fragmentação do conteúdo frequentemente chega da palavra, apresentada ao aluno como unidade de ensino.


A interação na sala de aula, quando ocorre, é limitada e focada na ação do professor. Segundo pesquisas da área (SINCLAIR; COULTHARD, 1975, GARCEZ, 2006), é ele que inicia e conclui a interação, seguindo uma estrutura rígida de três turnos: no primeiro, faz uma pergunta; no segundo, o aluno responde a pergunta; e finalmente, no terceiro turno, o professor encerra a sequência, fazendo a avaliação. Essa sequência rígida de turnos é conhecida na literatura da área pela sigla IRA: Iniciação, Resposta e Avaliação.
A combinação de ensino expositivo, com base na transmissão de conhecimento, e o papel controlador do professor na sala de aula, de quem emana toda a ação didática, tem sido designada pela palavra instrucionismo, vista como um termo pejorativo pela maioria dos educadores. O nome mais conhecido e provavelmente o mais respeitável do instrucionismo é o do psicólogo da aprendizagem Robert Gagné, a partir de um artigo publicado originalmente em 1962, mas ainda frequentemente citado por pesquisadores na área do design instrucional. Nesse artigo, Gagné apresenta os nove eventos instrucionais, que resumimos a seguir: 1) garantir a atenção do aluno, iniciando a aula com algo que desperte seu interesse; 2) informar os objetivos da aula, deixando claro o que vai ser aprendido, criando uma expectativa; 3) acionar o conhecimento prévio, relacionando o que vai ser aprendido com o que os alunos já sabem; 4) apresentar o conteúdo, usando técnicas variadas para manter a atenção do aluno; 5) facilitar a aprendizagem, ajudando o aluno com exemplos; 6) solicitar desempenho, pedindo que os alunos executem tarefas; 7) fornecer feedback, deixando claro para os alunos de como eles estão acompanhando as atividades; 8) avaliar o desempenho, observando a aprendizagem dos alunos; e 9) ajudar na retenção e transferência, oferendo aos alunos oportunidades para aplicar seus novos conhecimentos. Embora o texto possa ser considerado um clássico do ensino expositivo, com o foco na ação do professor, apresenta alguns indícios de aproximação com a perspectiva do aluno, quando solicita, por exemplo, que o professor deve acionar seu conhecimento prévio, item 3, já apresentando traços da aprendizagem significativa, e também quando solicita o desempenho do aluno, item 6, sugerindo  então uma aprendizagem ativa.


O desenvolvimento da aprendizagem significativa, que vemos ligada ao ensino expositivo, toma corpo com a proposta de outro nome conhecido na área da psicologia educacional, David Ausubel (2000), que enfatizava a importância da instrução na aprendizagem, com base na exposição verbal do professor, desde que significativa para o aluno. Para isso, é importante que o professor acione o conhecimento prévio do aluno, construindo subsunçores, entendidos como estruturas cognitivas desenvolvidas a partir do que o aluno já sabe, criando uma estrutura cognitiva aprimorada, uma espécie de âncora conceitual, capaz de fazer a conexão com o que ele não sabe e, desse modo, incorporar os novos conceitos de maneira significativa, para que façam sentido para ele.


O ensino expositivo, embora se caracterize pelo que se pode ver e ouvir, com foco no trabalho do professor e na recepção do conhecimento, permite, ainda assim, algumas aproximações com o aluno, principalmente na direção de um ensino mais significativo, que faça sentido para ele. O avanço, no entanto, não chega ao nível da ação; o aprendiz ainda é um aluno, alguém que precisa ser alimentado, no sentido etimológico da palavra, aprendendo comportadamente sentado.

 

Aprendizagem ativa

Na aprendizagem ativa passamos do conceito de aprendiz como aluno, visto como objeto do verbo ensinar (ex.: “O professor ensina o aluno.”), para o conceito de estudante como sujeito do verbo aprender (ex.: “O estudante aprende com o professor.”). Enquanto o aluno recebe um conhecimento que já está pronto, disponível nos livros ou nos professores, o estudante descobre o conhecimento no mundo, vendo como é esse mundo e como ele funciona. Além da descoberta, temos também a invenção. A diferença entre os dois é que a descoberta se atém a desvelar um conhecimento que ainda não tínhamos do mundo, mas que já existia, como a lei da gravidade, a estrutura do átomo, o movimento dos planetas ao redor do sol etc. A descoberta, por si só, como desvelamento, não muda o mundo; deixa-o como está, mudando apenas o conhecimento que tínhamos dele. Heráclito já dizia que a natureza ama esconder-se e essa constatação mostra que a descoberta tem seu valor, principalmente por nos alertar que há muito conhecimento oculto por trás das aparências que nos enganam; mas há um valor maior: mais importante do que descobrir o que já existe é inventar o que ainda não existe.


A invenção, ao criar o que ainda não existe, introduz a possibilidade de uma mudança maior no mundo. Inventar, mais do que descobrir, muitas vezes já traz a intenção de mudar.  O automóvel, o avião, o telefone, o cartão de crédito, por exemplo, são invenções que já surgiram com a intenção de facilitar a realização do desejo humano, seja de deslocamento, comunicação ou aquisição de bens – muitas vezes provocando transformações profundas na natureza e na vida das pessoas, muito além do que esperavam seus inventores. A descoberta, como revelação do que estava oculto, e a invenção, como intervenção para transformar o mundo, embora estejam localizadas nas extremidades do conhecimento, podem ensejar um movimento de aproximação em direção uma da outra, levando a uma gradação entre os dois extremos.  O fogo e a pólvora, por exemplo, já existiam há muito tempo antes de serem controlados pelos seres humanos, mas os textos sobre o tema falam tanto de descoberta como de invenção, tanto do fogo como da pólvora. Há coisas que podem ser descobertas e inventadas, outras não. Pode-se descobrir uma verdade, mas não se deve inventá-la, por exemplo. As duas extremidades do conhecimento – descoberta e invenção – podem se aproximar ou se afastar, mas não trocar de direção; a descoberta caminhará para o que já existe e a invenção para o que não existe. Se falamos em inventar a pólvora, ela não existia; se falamos em descobri-la, ela já existia. Ver aprendizagem como descoberta dá ao ensino uma dimensão diferente do que seria vê-la como invenção.


A aprendizagem ativa começa minimamente quando se dá ao aluno a possibilidade da descoberta, vendo-a como o primeiro passo na direção do que se entende teoricamente como construtivismo, na perspectiva piagetiana da descoberta, com destaque para o trabalho de Bruner (1969). Embora o verbo descobrir não tenha a mesma acepção do verbo construir – que justifique o uso do termo construtivismo – pelo menos envolve da parte do aluno um trabalho de busca de conhecimento, que, se não chega a ser invenção, é pelo menos ação; e sendo ação pode ser considerada aprendizagem ativa. A construção, que se dá pela invenção, vai surgir na perspectiva do socioconstrutivismo de Vygotsky (FONSECA, 2019), visto aqui como subárea do construtivismo, com destaque também para Bruner (PEA, 2004), principalmente pelo trabalho com os andaimes (WOOD; BRUNER; ROOS, 1976), na perspectiva da ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal). Se em Piaget a aprendizagem acontecia quando o aluno estava pronto para descobri-la, na proposta inspirada de Vygotsky, a aprendizagem poderia ser antecipada, dando ao aluno um andaime, não para descobri-la, mas para construí-la, mesmo antes de estar pronto para isso. A Teoria da Atividade (ENGESTRÖM; MIETTINEN; PUNAMÄKI, 1999), como desdobramento das ideias de Vygotsky, vem consolidar a perspectiva socioconstrutivista, mostrando como a atividade humana se constitui pela interação entre seus elementos, incluindo indivíduos, ferramentas, objetivos, divisão de trabalho, comunidade e regras, valorizando não apenas a descoberta mas também a invenção e a criatividade na transformação do mundo, que são aspectos relevantes para o objetivo do nosso trabalho.


Nesse cruzamento de teorias e autores, vemos a aprendizagem ativa não apenas como parte de um arcabouço teórico maior, o construtivismo, mas também como um termo guarda-chuva para outras teorias e propostas de ensino, entre as quais destacamos: aprendizagem híbrida (HORN; STAKER, 2015), sala de aula invertida (BERGMANN; SAMS, 2012; BISHOP; VERLEGER, 2013), aprendizagem baseada em tarefas (WILLIS, 1996; ELLIS, 2003; LONG, 2015) aprendizagem baseada em games (PRENSKY, 2003; GEE, 2008; QIAN; CLARK, 2016), gamificação (KAPP, 2013), e aprendizagem criativa (SEFTON-GREEN, J.; THOMSON, P.; JONES, K.; BRESLER, L., 2011; BEGHETTO, 2016). O número significativo de abordagens ativas que tem surgido nos últimos anos, além daquelas que selecionamos acima, mostra, em primeiro lugar, o grande interesse dos educadores pelo uso da atividade na aprendizagem, que se espalha em inúmeras propostas. Além disso, percebe-se também que há, entre as abordagens selecionadas, uma escala hierárquica que vai da aprendizagem como descoberta até a aprendizagem como invenção, ou seja, do estudante descobridor ao estudante inventivo. Vemos o estudante descobridor na aprendizagem híbrida, na sala de aula invertida e na aprendizagem baseada em tarefas; é um aprendiz ativo, com iniciativa e autonomia para buscar o conhecimento. Vemos o estudante inventivo na aprendizagem baseada em games, na gamificação e na aprendizagem criativa; é um aprendiz criativo, que vai da ação para a criação, não apenas com iniciativa para buscar o conhecimento, mas também com criatividade para produzir coisas no mundo.


Vamos usar duas metáforas simples para tentar explicar a diferença entre buscar o que já existe e criar o que ainda não existe. No primeiro caso, buscando o que já existe, temos a metáfora do quebra-cabeça, aquele jogo de montar as peças que foram recortadas de uma figura maior – como animais, pessoas, mapas, paisagens, obras de arte etc. – e depois embaralhadas para serem remontadas pelo jogador até recuperar a figura original. Este ponto de chegada é sempre o mesmo, independentemente do número de peças, de quem o monta e mesmo de quantas vezes a mesma pessoa queira montar um determinado quebra-cabeça. Quebra-cabeças de 12.000 peças são comuns no mercado, mas, independentemente do tamanho, o resultado é sempre único, com a reprodução exata da figura original, não permitindo qualquer variação nos encaixes das peças que possa levar a um resultado diferente. As 12.000 peças serão sempre reduzidas a um objeto. O jogador apenas descobre o que já existe, e, às vezes, nem isso, considerando que a figura a ser recuperada pode vir estampada na embalagem do jogo; o que seria uma descoberta do desconhecido limita-se à cópia de um modelo que está na frente dos olhos. Há, no entanto, uma atividade do jogador, que não apenas olha para uma figura, mas despende esforço, trabalhando com o cérebro e com as mãos para reconstruir o objeto. É, possivelmente, mais ação do que descoberta.


No segundo caso, buscando a invenção, temos a metáfora do lego. Em vez de milhares de peças diferentes entre si, com apenas um encaixe possível e que levam a um resultado único, já esperado, temos agora peças sólidas, classificadas em grupos de diferentes formas – pequenos cubos, vigas, placas etc. – com encaixes que permitem inúmeras combinações. As mesmas peças podem ser combinadas e recombinadas para produzirem diferentes objetos, seja uma casa, uma árvore, um trator, uma fazenda etc. Ou seja, a partir de um número limitado de peças, um número ilimitado de objetos pode ser montado.


A caminhada teórica que se faz da descoberta para a invenção na aprendizagem ativa, começa, a nosso ver, com as abordagens que propiciam ao aluno a autonomia necessária para descobrir o conhecimento – seja na aprendizagem híbrida, na sala de aula invertida ou na aprendizagem baseada em tarefas – evoluindo lentamente até chegar aos games e à aprendizagem criativa, mais propícios à invenção. Na aprendizagem pela descoberta, há ainda o controle do professor, que pode ser feito de maneira indireta, usando recursos do entorno do aluno. Já na aprendizagem criativa, o aprendiz assume o controle do que deseja aprender, horizontalizando a influência do professor, que se mistura aos demais recursos para, no máximo, mediar sua aprendizagem. Quando se aprende inventando, ou se inventa aprendendo, perde-se o controle da aprendizagem.

 

Aprendizagem ergódica

A aprendizagem, como vimos, instancia-se a partir de diferentes pressupostos, com base em diferentes paradigmas. No ensino expositivo, por exemplo, o pressuposto é de que a aprendizagem acontece pela exposição do aluno ao conhecimento, mostrado a ele pelo professor, pelos livros e, mais recentemente, por suportes audiovisuais, dentro ou fora da sala de aula. Já no paradigma da aprendizagem ativa, o aluno é promovido a estudante e o pressuposto é de que a aprendizagem ocorra a partir de sua ação sobre o mundo, seja para descobrir o conhecimento oculto na natureza, seja para construir o próprio conhecimento.


O percurso, do ensino expositivo até a aprendizagem ativa, sugere também uma mudança da responsabilidade pelo sucesso da aprendizagem, que de certo modo é transferida do professor para o aprendiz. Na aprendizagem ergódica que estamos propondo, essa responsabilidade fica distribuída entre o professor, o aprendiz e determinados recursos de seu entorno, estabelecendo novas relações que acabam levando ao rompimento de hierarquias entre sujeito e objeto, como veremos adiante. Não sentimos aqui qualquer necessidade de criar uma nova abordagem ou teoria, e muito menos um novo paradigma. Trata-se apenas de uma redistribuição de responsabilidades, ainda com base em uma perspectiva criativa, como descrevemos acima.


A palavra “ergódica” é usada por empréstimo de Aarseth (1997) em seu livro Cybertext: perspectives on ergodic literature. O que propomos é trazer esse conceito da literatura para o ensino/aprendizagem de línguas, agregando e desenvolvendo algumas ideias que surgiram desde então. Três aspectos são relevantes no desenvolvimento dessa ideia: o primeiro é definir o que entendemos por aprendizagem ergódica; o segundo é justificar nosso interesse por esse tipo de aprendizagem; e finalmente tentar demonstrar que a aprendizagem ergódica é a que mais se adéqua aos interesses e estilos de aprendizagem dos aprendizes na contemporaneidade.


A aprendizagem ergódica tem a ver com a nova relação que se cria entre o aprendiz e os recursos usados para produzir a aprendizagem. Podemos dizer que desde a invenção da escrita, 4.000 a. C., o recurso básico tem sido o texto impresso, em diferentes suportes – placas de barro na escrita cuneiforme, pedra, metal, papiro, pergaminho, papel etc. – mantendo sempre o traço da imutabilidade, caracterizado pela rigidez inerente ao suporte. Na prática, o texto, depois de impresso em um suporte rígido, não permite mais a mudança, seja em sua forma – aumentando ou diminuindo o tamanho da letra, por exemplo – seja em seu conteúdo, atualizando um dado ou corrigindo algum erro de informação. Podemos descrever esse período como o mundo da matéria, construído a partir do átomo e caracterizado pela permanência da forma física do objeto, incluindo volume e peso – sem possibilidade de ser compactado, por exemplo – para facilitar o transporte e diminuir os custos de produção (NEGROPONTE, 1995; LEFFA, 2016) e, principalmente, sem possibilidade de transformar uma substância em outra – como água em vinho, por exemplo – para o qual precisaríamos de um milagre.


Atualmente, com a digitalização, entramos no mundo da luz, criando, de certo modo, a possibilidade da transubstanciação. O texto, quando passa do papel para a tela, automaticamente se desmaterializa, transformando-se em pontos de luz, que podem chegar a mais de 8 milhões de pixels numa tela 4K. Como esses milhões de pixels são atualizados dezenas de vezes por segundo, passam a ilusão ótica do movimento, seja o gesto suave da bailarina no palco, seja o movimento rápido da bola que balança a rede, às vezes reproduzido em câmera lenta para mostrar os detalhes do gol. Essa possibilidade da tecnologia digital de redesenhar a tela dezenas de vezes por segundo, usando apenas a luz, que pode até ser projetada em hologramas, não só traz a multimodalidade para o texto, com o acréscimo imediato de áudio e vídeo, mas principalmente acarreta a transmutação de objetos sólidos, monolíticos, iluminados pelo ambiente, em objetos líquidos, transmutáveis, com luz própria, facilmente remodelados pelo usuário, que pode mudar-lhes o brilho, a cor, o tamanho, a velocidade e direção do movimento, o que for.


Em outras palavras, o texto na tela não é inerte, mas responsivo ao gesto do sujeito. Temos atualmente dispositivos que se transformam em assistentes pessoais, criando avatares que respondem a perguntas, brincam e até dançam com o usuário. A interação entre o leitor e o texto não é uma interação abstrata que se cria na mente do leitor; é uma interação física que se constrói também com o movimento das mãos e do corpo de quem está na frente da tela. Vemos, nessa interação, a emergência de uma nova relação entre o aprendiz e o recurso usado.


É aí que entra a aprendizagem ergódica, vista como algo que vai além do ver e do ouvir do aprendiz para incluir também, por simulação, o ver e o ouvir do recurso, com retorno imediato sobre o sucesso ou fracasso de cada tentativa do sujeito na busca do objetivo acordado no início da atividade. Nas palavras de Mourão (2003, p. 123), resenhando o texto de Aarseth (1997): “...doravante não é mais possível observar um objeto sem interferir ou alterá-lo. O observador passa a ser parte integrante da experiência”. O leitor, o aprendiz, o gamer etc. deixam de ser apenas usuários de um determinado conteúdo digital para serem também produtores de conteúdo – “produsuários” (do inglês “produser”) – na proposta de Bruns (2007). Essa mudança de mero consumidor de texto produzido pelo outros, para ser também autor, cria uma nova relação entre o aprendiz e os recursos usados. É isso que entendemos por aprendizagem ergódica.


O interesse pela aprendizagem ergódica justifica-se pela possibilidade que ela oferece de propiciar ao aprendiz uma aprendizagem baseada no princípio educacional da ação. O pressuposto, neste caso específico, é de que há uma correlação positiva entre o aumento da aprendizagem e a mobilidade no corpo do aprendiz: quanto mais movimento mais aprendizagem. Parte-se da hipótese de que a aprendizagem será mínima quando a imobilidade do corpo for máxima, o que pode acontecer, por exemplo, quando o aluno apenas escuta; nada em seu corpo precisa se movimentar, nem mesmo as orelhas, para que ele consiga ouvir. O próprio conceito de aluno ouvinte, se interpretado literalmente como alguém que apenas ouve, pode passar a ideia de um sujeito estático na sala de aula, excluído, sem voz e sem pertencimento ao grupo.


Já quando, além da audição, acrescentamos a visão, ocorre um pequeno acréscimo de mobilidade, considerando que os olhos, ao contrário das orelhas, dificilmente conseguem ficar imobilizados. Mesmo durante a leitura, conforme demonstrado pelas pesquisas, os olhos avançam sobre o texto em saltos maiores ou menores, de acordo com a proficiência do leitor. A correlação entre movimento dos olhos e aprendizagem não é aleatória.  Sem esses movimentos oculares, apreenderíamos e aprenderíamos muito pouco, dos livros e do mundo. Quando apenas vemos ou ouvimos, podemos ter a possibilidade de captar imagens acústicas e visuais do mundo, mas não necessariamente as condições de descobrir as relações entre elas; isto é, talvez possamos apreender, mas não aprender. Em suma, há uma possibilidade maior de movimento em olhar do que em ver, e mesmo entre escutar e ouvir, fazendo emergir dessa diferença uma possibilidade maior de aprendizagem quando se olha e se escuta.


Para seguir o princípio de que se aprende a fazer fazendo é necessário interagir fisicamente com o mundo, indo além do que se ouve e do que se vê. Os recursos audiovisuais podem aproximar mais o aluno do mundo, pelo uso de imagens, áudio e vídeo, que fazem uma representação mais próxima da realidade do que o texto verbal, seja escrito ou falado; um dançarino está mais próximo pela imagem do que pela palavra. Ainda assim, o que se obtém com o uso do audiovisual é apenas uma contemplação, nem mesmo do dançarino, mas de uma imagem do dançarino. Não é possível, apenas pela contemplação, interagir ou dançar com quem está representado na imagem. A contemplação pode despertar o desejo, mas enquanto limitada pelo que se vê e se ouve, não é ação; para isso, teria que se expandir para as outras partes do corpo, em uma perspectiva ergódica, no sentido que vimos discutindo aqui, isto é, com o uso da realidade aumentada e incluindo recursos responsivos ao gesto humano, com sensores de movimento, câmeras de reconhecimento facial e microfones. Um exemplo em que isso acontece está, entre outros, nos jogos eletrônicos de dança (DANCE, 2019), aplicativos para língua de sinais (YANG, 2015) e ensino de línguas em geral (YÜKSELTÜRK; ALTIOK; BAŞER, 2018). No jogo Just Dance (DANCE, 2019), por exemplo, o jogador pode dançar com avatares na tela e com outros jogadores a seu lado, formando um grupo integrado de dançarinos virtuais e reais, ser eletronicamente avaliado pelos seus movimentos na dança, com elogios e aplausos quando acerta o passo, ou críticas e vaias, quando não consegue acompanhar os outros dançarinos.


A aprendizagem ergódica envolve todo o corpo e, na medida em que usa a realidade aumentada, criando a fusão entre o real e o virtual, pode aumentar os limites da ação humana, levando a pessoa a fazer mais do que é capaz, seja no domínio da força física, do desempenho cognitivo e até da questão afetiva. A pessoa, potencializada pelos recursos da realidade aumentada, incorpora à sua agência a agência dos outros, usando, por exemplo, a colaboração em massa, mediada pelos tecnologias da sociedade em rede (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007), além da agência das coisas, aproveitando o que os objetos disponibilizam quando interagem entre si e com as pessoas (RAMMERT, 2008). Com isso, o sujeito tem a possibilidade de se descobrir podendo mais, sabendo mais e querendo mais.


Tudo isso vai ao encontro do que se acreditava ser do interesse dos jovens da última década do século XX, indivíduos definidos por Prensky (2001) como nativos digitais, nascidos na era da internet, em oposição aos imigrantes digitais, nascidos antes. Mais tarde, Prensky (2009) refez sua proposta original, incorporando nativos e imigrantes no conceito mais amplo de sabedoria digital, redefinindo todos como Homo sapiens digital. Pela sua relevância ao conceito de aprendizagem ergódica, vamos retomar algumas características das duas propostas, na sequência em que foram publicadas, considerando as preferências dos aprendizes, seus estilos de aprendizagem e os ganchos possíveis com os princípios da perspectiva ergódica.


O problema levantado por Prensky (2001) na primeira proposta era que os nativos digitais (aprendizes) e os imigrantes (professores), falavam duas línguas diferentes, separados por dois mundos distantes, sem possibilidade de comunicação entre eles.  O mundo dos alunos era o da alta velocidade, com o pensamento funcionando em processamento paralelo, caracterizado pelo acesso simultâneo a várias fontes de informação. O nativo digital navegava por hiperlinks, sem paciência de prosseguir linearmente, tarefa por tarefa, do início até no fim, como seu professor gostaria que fizesse. Outro aspecto, em oposição às preferências do professor, que às vezes via a tecnologia como adversária, era o fascínio do nativo digital pela conectividade e a percepção da tecnologia como aliada, usada para visitar blogs, assistir a vídeos, jogar e trocar mensagens instantâneas com os colegas, entre outras possibilidades.


Dois aspectos chamaram mais a atenção, no entanto. O primeiro foi a preferência do aprendiz por uma aprendizagem baseada em risco, com retorno imediato sobre o resultado de seu esforço, mostrando o sucesso ou a necessidade de reparos quando o aprendiz está ainda envolvido na atividade, ao contrário de um feedback demorado, às vezes devolvido dias mais tarde, quando já não faz mais sentido para ele. Pode-se pressupor que o aluno se sinta mais bem assistido em seu desempenho ao receber feedback imediato, podendo reformular o que vinha fazendo e corrigir o problema “em tempo real”, processo tradicionalmente conhecido como aprendizagem por andaimes (WOOD; BRUNER; ROOS, 1976) ou desempenho antes da competência (CAZDEN, 1981).


O segundo aspecto, observado por Prensky (2001), foi a impaciência do aluno por sessões de ensino expositivo, em que é obrigado a ler longos textos, assistir a vídeos ou ouvir passivamente alguém falando. O aluno anseia por intervalos em que possa interagir, seja com o professor, colegas ou com o próprio recurso, para que possa construir sentido junto com eles. A aula expositiva até pode ser longa, mas precisa ser dialogada; o vídeo funciona melhor quando interativo; e recurso digital engaja mais quando depende da ação do aluno. Ou seja, o aluno prefere aprender fazendo. Obtém isso com o feedback imediato, que propicia o desempenho assistido, que leva a uma aprendizagem que é ativa, por não prosseguir sem a ação do aluno.


Ao propor a sabedoria digital, Prensky (2009) defende a ideia de que ela transcende a divisão entre nativos e imigrantes digitais para reorganizar a sociedade atual em outro recorte, pondo, de um lado, os digitalmente capacitados (tradução nossa para o que ele chama de digitally enhanced) e, do outro lado, os digitalmente incapacitados (digitally unenhanced). Os digitalmente capacitados se caracterizam por terem a seu alcance recursos digitais que os habilitam a agir além da competência humana, incluindo, por exemplo: 1) algoritmos de busca capazes rastrear imensas bases de dados, em diferentes línguas, para entregar ao usuário, de modo praticamente instantâneo, a informação de que ele precisa, traduzida para sua língua materna; 2) simulações para a análise aprofundada dos dados, sem necessidade de amostras representativas, na medida em que todo o  universo dos dados pode ser incluído, permitindo a construção e testagem de diferentes cenários em tempo real; 3) previsões mais corretas para aprimorar o planejamento que envolve sistemas complexos como o clima, o desenvolvimento da economia mundial ou a aprendizagem de uma língua, buscando padrões de comportamento em eventos passados. A sabedoria digital não substitui a mente humana, mas a torna mais capaz (enhanced), levando o ser humano a fazer e saber mais do que é capaz, na medida em que a mente se estende e se une funcionalmente aos recursos digitais de seu entorno (KAPTELININ, 1996).

 

Conclusão

O interesse pela aprendizagem ergódica, como a definimos aqui, é a possibilidade que ela oferece ao aprendiz de ser constantemente construtor de seu conhecimento, e não apenas receptor de um saber já pronto e sem possibilidade de ser modificado, como acontece, por exemplo, na leitura de textos impressos em papel. O livro impresso, como muitos outros artefatos de natureza estática, não conversa com o leitor, não responde as suas dúvidas, é incapaz de se adaptar aos seus interesses, não apresentando, enfim, qualquer possibilidade de diálogo. O leitor pode até tentar conversar com o livro, mas estará falando sozinho. Em relação ao ensino de línguas, o livro não só deixou de ser suficiente, como também deixou de ser necessário.


O problema, como se percebe, não é do livro em si, mas do suporte tradicional em que ele tem sido apresentado, um suporte que, além de seu alto custo, é incapaz de se modificar para se adaptar aos interesses e necessidades do aprendiz. A aprendizagem ergódica, no outro extremo, instancia-se em um suporte digital, capaz de se moldar ao contexto em que se encontra e de responder automaticamente aos gestos do aprendiz.


Tentamos mostrar isso no texto percorrendo a trajetória que se inicia no ensino expositivo, passa pela aprendizagem ativa e termina na aprendizagem ergódica, apresentadas como etapas evolutivas da educação e do ensino de línguas. No ensino expositivo, o protagonismo está no professor, como polo emissor do conhecimento, que é passado ao aluno por exposição oral e com o apoio de recursos tradicionais, incluindo o livro e a lousa. Na aprendizagem ativa, o aluno é promovido a estudante e assume uma responsabilidade maior pela sua aprendizagem, usando o professor como colaborador e ampliando o uso dos recursos educacionais para além do livro, incluindo textos multimodais, computadores, celulares etc. Há ainda uma separação de papéis, tendo, de um lado, professores e alunos como agentes, e de outro, os recursos educacionais como instrumentos de mediação.  Na aprendizagem ergódica, finalmente, com a emergência generalizada da digitalização dos instrumentos de mediação, a agência se distribui entre professores, aprendizes e recursos, viabilizando, inclusive, a troca de papéis, em que cada um pode desempenhar, às vezes o papel de mediador, às vezes o de agente.
Historicamente é uma evolução que vai do domínio exclusivo do suporte material, baseado em recursos constituídos de átomos, que carregamos em mochilas pesadas, com cadernos, livros, dicionários etc.; até o domínio do suporte digital, com base nos aplicativos, constituídos de bytes, que transitam à velocidade da luz por diferentes dispositivos, em redes de computadores, smartphones, automóveis etc.


A aprendizagem ergódica, ao mostrar a agência dos aplicativos, pode assustar algumas pessoas com a premonição de uma distopia criada pelo domínio dos aplicativos, que, por serem desprovidos da característica humana da afetividade, podem gerar catástrofes ecológicas, sofrimento, opressão e até o extermínio da humanidade. Nossa visão é mais otimista, com o olhar voltado para o lado da utopia, imaginando que um outro futuro seja possível. Os aplicativos não têm emoção. Um aplicativo nunca está alegre ou triste, eufórico ou deprimido, e essa ausência de afetividade pode contribuir para nossa segurança. O aplicativo jamais agirá – por vontade própria, que ele não tem – para ferir ou matar alguém, por ódio ou por inveja, e jamais se apaixonará por outro aplicativo ou por um ser humano, ainda que o inverso, às vezes, possa acontecer.

 

Abstract: One of the challenges for language teachers is to be able to adapt their teaching to the resources available for the students. The aim of this paper is to demonstrate the evolution that characterizes the improvement of these resources, as they incorporate to the static code, printed on paper, the liquid code, digitally responsive to users’ gestures. In terms of research methodology, we try to describe the evolution from expository teaching, where pupils receive knowledge from people and books, to creative learning, where pupils, promoted to students, build their own knowledge. Finally, the term “ergodic learning” is used to show how agency can be distributed between people and resources; what was just static code in the analog world acquires the ability to act and interact in the digital context. Our conclusion is that ergodic learning implies a change in the relationships between students, teachers and the resources around them.

Keywords: Ergodic learning. Distributed agency. Responsive hypertext. Creative learning.

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LEFFA: Doutor em Linguística Aplicada pela Universidade do Texas, Pesquisador do CNPq, Professor Visitante da UFPEL. E-mail: leffav@gmail.com

BEVILÁQUA: Doutorando em Linguística Aplicada na Universidade Federal de Pelotas, Bolsista da CAPES. E-mail: andre.firpo@gmail.com