Hall, Stuart. A Formação de um Intelectual Diaspórico. In: Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Org. Liv Sovik; Trad. Adelaine La Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da Unesco no Brasil, 2003.
Aline de Caldas Costa*

 

Reunindo artigos acerca das questões de identidade social, cultura, etnologia e fomentadores diaspóricos, Hall lançou o livro intitulado Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais, do qual trataremos apenas do último capítulo, que, diferente dos demais, investiga a vida do autor. Conduzida por Kuan-Hsing Chen, a entrevista expõe a sociedade na qual o Stuart Hall nasceu, os motivos que o levaram a tornar-se rebelde, migrar e ser conhecido como um intelectual diaspórico.
Questionado sobre as trajetórias que moldaram sua experiência, Hall se coloca como o "patinho feio" de uma família jamaicana de classe média, uma vez que sua cor era a mais escura entre todos os seus parentes. Enquanto sua família procura viver o modelo social inglês, Hall repudia a política de tolerância que transparece entre os ingleses e o seu pai e vice-versa, conforme declara: "o que era encenado em minha família, em termos culturais, era o conflito entre o local e o imperial no contexto colonizado" (p. 408). Hall se opôs ao modelo social dominante e à raiz preconceituosa de sua família para viver os conflitos de uma Jamaica colonial heterogênea negociando espaços culturais em outros lugares, longe de sua família e, assim construiu sua identidade.
A influência inglesa estava arraigada às instituições mais importantes para a sua formação: a família e a escola. Contudo, Hall conseguia enxergar um universo local à espera de desenvolvimento. Interessava-se por movimentos sociais, política e ideais de autonomia, simpatizando com a independência jamaicana. Num ambiente hostil para com sua etnia, Hall encontra pessoas que contribuem para sua formação, impulsionando-o a confiar em sua realização acadêmica e em si próprio. Autodidata, lia sobre política, sobre o que não era lecionado normalmente, escritores caribenhos, sonhando um dia poder tornar-se também escritor.
Aos dezessete anos, sua irmã vive uma crise que, para Hall, funcionou como agente cristalizador de seus sentimentos acerca do espaço para o qual sua família o preparara. Foi
Impedida, pela família, de abraçar o romance com um estudante de medicina, de classe média, porém negro. Tal fato fez com que Hall enxergasse as estruturas culturais como sendo algo pessoal e, contraditoriamente, institucional, capazes de destruir uma pessoa. Assim ele rompe com a distinção entre público e privado. Resolve migrar para se salvar.
Hall foi levado da Jamaica para Oxford pela mãe, deixando de viver o nascimento da consciência negra e o Rastafarismo jamaicano. Sente com isso o estranhamento da experiência diaspórica: "Conheço intimamente os dois lugares, mas não pertenço a nenhum deles... longe o suficiente para experimentar o sentimento de exílio e perda, perto o suficiente para entender o enigma de uma 'chegada' sempre adiada." (p. 415). Vê-se, então, o intelectual diaspórico como o sujeito educado para determinado modelo social, que desenvolve sua identidade cultural num espaço alheio e, finalmente volta à sua terra sem, contudo, ter vivido as experiências determinantes para a afirmação de sua cultura local, do seu modelo social próprio.
Em 1954, Hall investe na política dos caribenhos expatriados e desenvolve uma proposta de esquerda independente, antistalinista, não dogmática. Participou da fundação da revista Universities and Left Review. Por não ser fruto daquele local cultural, Hall vivia o ambiente inglês de maneira negociada. Via a "inglesidade" impregnada do poder das suas tradições, impondo fomento à continuidade do modelo social inglês às novas gerações. Tradição esta à qual Hall tinha consciência de culturalmente não fazer parte.
Depois de dois anos como editor da revista, ele a deixa para lecionar na Universidade de Londres sobre mídia, cinema e cultura popular, Estudos Complementares, que hoje chamamos Estudos Culturais. Em 1964, Hall assume o Center of Contemporary Cultural Studies, em Birgingham. O CCCS era um espaço de estudos, uma estufa cultural que serviu de berço para os Estudos Culturais e para o Feminismo. Depois de quinze anos, Hall deixa o CCCS, para trabalhar na Open University, um local não acadêmico, interdisciplinar, freqüentado por pessoas comuns, mulheres e negros. Aqui ele encontra a oportunidade de realizar uma antiga aspiração política, a chance de "levar ao nível popular o paradigma mais elevado dos Estudos Culturais." (p. 430).
Encontrando um novo espaço político em Londres, Hall descarta a possibilidade de atuar politicamente no Caribe. Assim, coloca a questão da identidade cultural como um posicionamento, assumido por cada indivíduo, não fixo, uma identificação, resultante de formações históricas específicas, que deve ser vivida como todas as suas peculiaridades.

*Curso de Comunicação/DLA/UESC. Pesquisadora de Iniciação Científica/FAPESB. Orientadora: Profa. Dra. Maria de Lourdes Netto Simões. Grupo de Pesquisa ICER.