Reunindo artigos acerca das questões de identidade social, cultura,
etnologia e fomentadores diaspóricos, Hall lançou o livro intitulado Da
Diáspora: Identidades e Mediações Culturais, do qual trataremos apenas do
último capítulo, que, diferente dos demais, investiga a vida do autor.
Conduzida por Kuan-Hsing Chen, a entrevista expõe a sociedade na qual o
Stuart Hall nasceu, os motivos que o levaram a tornar-se rebelde, migrar e
ser conhecido como um intelectual diaspórico. Questionado sobre as
trajetórias que moldaram sua experiência, Hall se coloca como o "patinho
feio" de uma família jamaicana de classe média, uma vez que sua cor era a
mais escura entre todos os seus parentes. Enquanto sua família procura
viver o modelo social inglês, Hall repudia a política de tolerância que
transparece entre os ingleses e o seu pai e vice-versa, conforme declara:
"o que era encenado em minha família, em termos culturais, era o conflito
entre o local e o imperial no contexto colonizado" (p. 408). Hall se opôs
ao modelo social dominante e à raiz preconceituosa de sua família para
viver os conflitos de uma Jamaica colonial heterogênea negociando espaços
culturais em outros lugares, longe de sua família e, assim construiu sua
identidade. A influência inglesa estava arraigada às instituições mais
importantes para a sua formação: a família e a escola. Contudo, Hall
conseguia enxergar um universo local à espera de desenvolvimento.
Interessava-se por movimentos sociais, política e ideais de autonomia,
simpatizando com a independência jamaicana. Num ambiente hostil para com
sua etnia, Hall encontra pessoas que contribuem para sua formação,
impulsionando-o a confiar em sua realização acadêmica e em si próprio.
Autodidata, lia sobre política, sobre o que não era lecionado normalmente,
escritores caribenhos, sonhando um dia poder tornar-se também escritor.
Aos dezessete anos, sua irmã vive uma crise que, para Hall, funcionou
como agente cristalizador de seus sentimentos acerca do espaço para o qual
sua família o preparara. Foi Impedida, pela família, de abraçar o
romance com um estudante de medicina, de classe média, porém negro. Tal
fato fez com que Hall enxergasse as estruturas culturais como sendo algo
pessoal e, contraditoriamente, institucional, capazes de destruir uma
pessoa. Assim ele rompe com a distinção entre público e privado. Resolve
migrar para se salvar. Hall foi levado da Jamaica para Oxford pela mãe,
deixando de viver o nascimento da consciência negra e o Rastafarismo
jamaicano. Sente com isso o estranhamento da experiência diaspórica:
"Conheço intimamente os dois lugares, mas não pertenço a nenhum deles...
longe o suficiente para experimentar o sentimento de exílio e perda, perto
o suficiente para entender o enigma de uma 'chegada' sempre adiada." (p.
415). Vê-se, então, o intelectual diaspórico como o sujeito educado para
determinado modelo social, que desenvolve sua identidade cultural num
espaço alheio e, finalmente volta à sua terra sem, contudo, ter vivido as
experiências determinantes para a afirmação de sua cultura local, do seu
modelo social próprio. Em 1954, Hall investe na política dos caribenhos
expatriados e desenvolve uma proposta de esquerda independente,
antistalinista, não dogmática. Participou da fundação da revista
Universities and Left Review. Por não ser fruto daquele local cultural,
Hall vivia o ambiente inglês de maneira negociada. Via a "inglesidade"
impregnada do poder das suas tradições, impondo fomento à continuidade do
modelo social inglês às novas gerações. Tradição esta à qual Hall tinha
consciência de culturalmente não fazer parte. Depois de dois anos como
editor da revista, ele a deixa para lecionar na Universidade de Londres
sobre mídia, cinema e cultura popular, Estudos Complementares, que hoje
chamamos Estudos Culturais. Em 1964, Hall assume o Center of Contemporary
Cultural Studies, em Birgingham. O CCCS era um espaço de estudos, uma
estufa cultural que serviu de berço para os Estudos Culturais e para o
Feminismo. Depois de quinze anos, Hall deixa o CCCS, para trabalhar na
Open University, um local não acadêmico, interdisciplinar, freqüentado por
pessoas comuns, mulheres e negros. Aqui ele encontra a oportunidade de
realizar uma antiga aspiração política, a chance de "levar ao nível
popular o paradigma mais elevado dos Estudos Culturais." (p.
430). Encontrando um novo espaço político em Londres, Hall descarta a
possibilidade de atuar politicamente no Caribe. Assim, coloca a questão da
identidade cultural como um posicionamento, assumido por cada indivíduo,
não fixo, uma identificação, resultante de formações históricas
específicas, que deve ser vivida como todas as suas
peculiaridades.
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