Autora: Edivana Maria Stival
Orientadora: Susana B. Funck
Meu problema se constitui pela prática. Atuo como professora de ensino regular e ensino de EJA. E, através de observações das práticas pedagógicas e conversas informais, verifico que parece existir um preconceito da Educação de Jovens e Adultos em relação ao ensino básico regular.
A escola de EJA tem por objetivo proporcionar aos alunos que não tiveram a oportunidade de freqüentar a escola na idade própria, a oportunidade de concluir a educação básica, diferindo quanto à questão regimental, pedagógico-administrativa do ensino regular.
O que me despertou tal problemática foi uma conversa informal com uma mulher de aproximadamente 35 anos, formada na EJA, quando me disse que foi descartada de uma vaga de emprego no momento em que disse que havia se formado no ensino de EJA, perdendo a vaga por outra formanda do ensino regular. Isso me deixou inquieta, uma vez que não posso duvidar da qualificação de formação tanto do ensino regular como o ensino de EJA.
A partir daí, questiono a estrutura, caracterização e significação da EJA, e como os professores, alunos e comunidade vêem e avaliam as diferentes propostas de ensino e como são construídos através do discurso. Também, indago sobre o tipo de preconceito, econômico, social e/ou político que pode ser identificado nos discursos de formandos e profissionais das diferentes modalidades de ensino, bem como os discursos do público em geral.
A modalidade EJA surgiu construindo sua história: primeiro como educação formal para os menos privilegiados, depois da 2ª guerra Mundial, a cargo do estado, abarcou como uma espécie de educação moral. Nos anos 50, manifesta-se sob duas correntes: libertadora e funcional/profissional. Na década de 70, assume um caráter de suplência da educação fundamental. Com isso, surge no Brasil, o Movimento Brasileiro de alfabetização (MOBRAL) e logo após, o supletivo. Na gestão democrática de Olívio Dutra do partido de esquerda PT com o projeto Constituinte escolar, a EJA foi institucionalizada nos núcleos de educação, particularmente nas regiões das Missões no ano de 2001, funcionando a partir de totalidades.
Assim, tendo em vista a implantação da EJA no RS por um governo petista, minha problematização poderia ainda estar ligada a uma questão de ideologia política como fator determinante de um possível preconceito social.
Desejo contribuir para uma avaliação das reais propostas de EJA, possibilitar uma conscientização de educadores, administradores e alunos sobre as bases teóricas nas quais se assenta a EJA e provocar uma reflexão sobre o ensino como qualificador ou não e formador de cidadãos.
DISCURSO E IDEOLOGIA
Tendo em vista, a área de pesquisa ACD que considera o discurso como prática social, portanto situado dentro das ideologias, parto das referências teóricas que embaseiam os conceitos de discurso e ideologia.
A partir dos estudos saussurianos, os lingüistas passaram a refletir sobre a disciplina da lingüística sob uma reflexão ampla sobre a linguagem como fator social. Surgem críticas à rejeição que Saussure faz à fala e, então, propõem-se um estudo dos signos vinculados à vida social nas condições de interação dos participantes.
Assim, para Fiorin, a linguagem é uma instituição social, o vínculo das ideologias e meio de exteriorização do discurso. O discurso são as combinações de elementos lingüísticos articulados pelos falantes que agem no e sobre o mundo.
Fairclough postula que o discurso é a linguagem em uso, prática lingüística que se manifesta por meio de textos, contribuindo tanto para a reprodução como para a transformação das sociedades. As significações do mundo se formam através da dialética entre o discurso (prática social) e a estrutura social.
Logo, a ACD considera o contexto como dimensão fundamental e vê o sujeitos como ator ideológico. Portanto, para os analistas/lingüistas críticos, o discurso é uma prática social que interage com outras práticas socialmente determinadas.
A ACD está ligada a questões sociopolíticas, de poder e de dominação, tendo lingüistas preocupados com questões referentes ao racismo, desvantagens educativas, etnicidade, multietnias, diferenciações e hierarquias de classe, idade e profissão. (Van Dijk, Wodak). Logo, o objetivo de ACD é analisar e revelar o papel do discurso na constituição e propagação de relações de poder, dominação e desigualdades sociais, políticas e culturais através das representações dos sujeitos sociais, tendo como unidade lingüística o texto falado ou escrito. Este, para Van Dijk, deve se analisar as macros e micros estruturas e Fairclough propõe o modelo tridimensional que considera o texto como prática discursiva (produção, distribuição e consumo) e prática sociocultural.
Como uma prática social, o discurso não pode se situar fora da ideologia. Sob esse ponto de vista, Faiclough amplia o papel da linguagem vendo-a como reprodutora das práticas sociais e das ideologias, mas também, como capaz de desempenhar uma função de transformação social. (sob a visão dialética), ao mesmo tempo em que o discurso é moldado e restringido pela estrutura social, ele é socialmente constitutivo.
Para Thompson, a ideologia opera através de formas simbólicas que se entrecruzam com relações de poder e, esses fenômenos simbólicos só são ideológicos enquanto servem para manter relações de dominação. Assim, Thompson, define cinco maneiras de operação da ideologia: legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e reificação. Thompson nota que a ideologia opera por intermédio da linguagem que é um instrumento social, portanto, a ideologia é parcialmente constituída daquilo que nas nossas sociedades é real.
Bordieu define o poder simbólico como poder de construção da realidade que tende a estabelecer o sentido imediato do mundo, postula que as ideologias servem a interesses particulares propostos como interesses universais, assim sendo, duplamente determinadas: pelos interesses das classes que elas exprimem e pelos interesses específicos daqueles que as produzem. O poder simbólico como força de constituição, transformação do mundo e ação sobre o mundo se constitui de forma determinada entre os que exercem poder e os sujeitos movidos por este poder, ou seja, na estrutura que se produz e reproduz a crença.
Para Fiorin, a ideologia é um conjunto de idéias e temas que materializam uma visão do mundo; como representações das formas fenomênicas da realidade, portanto, reduzida de consciência. É um conjunto de idéias diretamente ligada à linguagem como instrumento de comunicação, sendo que, cada formação ideológica corresponde a uma formação discursiva, pois enquanto a ideologia determina o que pensar, o discurso determina o que falar.
Van Dijk define ideologia como crenças básicas compartilhadas socialmente associadas às propriedades características de um grupo, como identidade, posição na sociedade, interesses e objetivos, relações com outros grupos, reprodução e meio natural. Segundo o autor, as ideologias se adquirem basicamente através do discurso e considera que uma das práticas sociais mais importantes condicionada pela ideologia é a linguagem e o discurso, sendo que estes influenciam na forma de adquirir, aprender e modificar ideologias. Para ele, ideologia é como dimensão social ou cognitiva, que consiste nas crenças que envolvem conhecimentos e opiniões compartilhadas por um grupo. Essas crenças compartilhadas vão formar a memória social e esta, juntamente com o conhecimento e atitudes sociais, constitui a ideologia. Portanto, as ideologias formam as representações sociais das crenças compartilhadas de um grupo e funcionam como um marco de referencia que define a coerência global dessas crenças, sendo essencialmente sociais. Assim, o discurso funciona como recurso de controle das mentes, sob forma de manipulação ou persuasão e quem controla as mentes, controla também as práticas sociais.
As modalidades de ensino
O que basicamente difere uma modalidade de ensino da outra, é a questão de organização.
Conforme as Leis de Diretrizes e Bases (LDB) a educação regular de ensino está estabelecida sob as seguintes organizações: carga horária mínima anual de oitocentas horas, distribuídas por no mínimo duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluindo o tempo reservado aos exames finais. O ensino fundamental terá uma duração de no mínimo oito anos, obrigatório e gratuito na escola pública com o objetivo da formação básica do cidadão. O ensino Médio tem, no mínimo, duração de três anos.
A educação diferenciada para jovens e adultos possui leis bastante avançadas para serem aplicadas a esta realidade. A EJA é contemplada pela legislação não somente dentro da modalidade de suplência, mas em um processo que envolva qualidade social com currículo adequado, flexibilidade de horários, interdisciplinaridade, formação dos professores, ruptura com a seriação e com a avaliação classificatória. Com a V Conferencia Internacional de Educação de Jovens e Adultos _ CONFINTEA _ de 1997 definiu a “Década de Paulo Freire” atribuindo o desenvolvimento centrado no ser humano e a existência de uma sociedade participativa com o desenvolvimento justo e sustentável. A EJA, neste contexto, é a chave para o século XXI como condição do exercício da cidadania, justiça social, democracia e igualdade entre os sexos. A EJA, atualmente, está amparada por pareceres e pelo Conselho Estadual de Educação que fixam normas para o oferecimento da EJA, compreendendo o currículo, a interdisciplinaridade, a formação dos professores, campo de conhecimento por totalidades e avaliação. A EJA pretende proporcionar a formação do indivíduo como participante e membro de uma comunidade social, sendo assim, incluso como integrante e formador de opinião nas decisões da comunidade. Seus princípios são enfatizados segundo a teoria de Paulo Freire.
Anexo
Anexo 1 - Alunos de EJA:
Sílvia:“Pra mim foi muito importante e é muito
importante”;Os professores te ajudam: ficam junto de ti, te ajudando: é uma
terapia... é uma maravilha”
Ana: “pra mim foi um passo que eu tinha parado, possibilidade de eu
voltar”; “foi uma porta aberta”; “me tirou da rotina”; “ EJA é CRME: centro de
recuperação de mulheres estressadas”; “é uma terapia”.
Paulo: “pra mim EJA tem sido uma bênção”; “na EJA é a escola de vida”;
“Eu antes de conhecer a EJA eu tinha uma baixa estima lá embaixo”; “os
professores incentivando a gente..., na verdade professores de EJA são amigos
da gente”.
Anexo 2 - Alunos da escola regular:
Aluno A: “Eu acho que é um meio que dá auto-estima
para as pessoas que pararam de estudar, tanto pessoas mais idosas mais jovens e
isso ajuda eles a sabe que eles não param no tempo e sim, que podem continua
vivendo a vida deles normal”.
Aluno B: “Eu acho que a EJA é uma
coisa muito boa para as pessoas que pararam de estuda iiiii..
é uma oportunidade nova que elas tão tendo pra quem parou de estuda e só quer
termina mais cedo”
Aluno C: Eu acho que o EJA
é muito importante para as pessoas queee pararam de
estuda e pra elas terem uma nova oportunidade porque hoje em dia, ahhh, tu te o curso completo é muito importante porque tu
não consegue nada sem o ensino médio
Todos: Pra mim o ensino normal
porque cobra mais: vestibular
Anexo 3 - Professores
da EJA:
Mari: “EJA vem mais ao encontro com o cotidiano, com as
situações da vida, fatos, situações do dia-a-dia”; falar de conteúdo, o
conteúdo de repente não seja igual, mas a maturidade desse..., tira essa
diferença”; “Eu acho que educação de Jovens e Adultos
é pra adulto, é pra adulto”
Mário: “do educando para que ele
venha buscar aqui um sol no fim do túnel para ele enxergar uma esperança”; “a
escola de EJA ela atinge a qualidade parcial juntamente com a quantidade também
parcial”; “eu até escolheria uma escola regular, mas se ele quer seguir uma
profissão que não tem um alvo muito alto
... em termos de universidade”; EJA é uma escola de
formação de opiniões, de conscientização de pessoas com desejo de vencer, de se
aproximar um pouco do conhecimento”.
Joana: “
Renato: “É,
BARTHES, Roland.
BOUDIEU, Pierre. O
FAIRCLOUGH, Norman.
FEREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.
FIORIN, José Luiz.
FREIRE, Paulo.
GOUVEIA FLUL, Carlos A. M.
MAGALHÃES, Célia Maria (Org.).
PEDRO, Emília R. (org.)
THOMPSON, John B.
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