Por meio da análise lingüística de textos oriundos do jornalismo econômico, mostraremos a relevância do uso da metáfora como recurso lingüístico e cognitivo indispensável, considerando que nosso sistema conceptual está organizado com pensamentos e ações fundamentalmente metafóricos por natureza.
Estamos fundamentados pela Teoria da Metáfora Conceptual, apresentada por George Lakoff e Mark Johnson, no livro Metaphors we live by (Metáforas da vida cotidiana).
O interesse comum pela metáfora reuniu o lingüista Lakoff e o filósofo Johnson. Este último percebeu que a metáfora era observada pelos primeiros filósofos simplesmente como uma figura retórica, estilística, ilustrativa.
Os filósofos tradicionais questionavam a respeito do porquê falar expressões do tipo (1) José é uma onça se se pode falar diretamente (2) José é muito bravo (arrogante, ignorante). Eles consideravam as palavras como imagem do real, passando a metáfora, nessa visão, a ser a imagem da imagem do real. Platão, no livro A república, fala que uma sociedade real é aquela regida por filósofos, excluindo os poetas por usarem as metáforas.
Lakoff, por sua vez, identificou evidência lingüística de que a metáfora exerce um papel fundamental na linguagem cotidiana e no pensamento, contrariando as tradicionais considerações da lingüística e da filosofia.
Freqüentemente encontramos pessoas falando expressões do tipo:
(3) Hoje eu quase perdi a hora.
Trata-se de uma metáfora lingüística, naturalmente. A “hora” não é um objeto que pode ser posto em algum lugar a ponto de se perder. Ela acontece, flui, está sempre se alterando, isso sim.
Vejamos outra expressão cristalizada em nossa cultura:
(4) Não perca tempo, pois tempo é dinheiro e dinheiro é recurso.
São metáforas lingüísticas dessa natureza que nos levam a afirmação de que a linguagem figurada não é privilégio exclusivo da linguagem literária e que a linguagem cotidiana é densamente metafórica.
Lakoff e Johnson (2002, p.45) afirmam:
“Os conceitos que governam nossos pensamentos não são meras questões do intelecto. Eles governam também a nossa atividade nos detalhes mais triviais”.
É sabido que a metáfora tem grande poder de convencimento. Contudo, tal afirmação somente foi consolidada na Idade Média e no Período Clássico (1600-1700). Nessa época, a metáfora passou a ser considerada como um ganho.
Partindo das informações já citadas, considerando, portanto, a metáfora como um importante recurso lingüístico, neste trabalho, procuramos realizar um estudo com as expressões metafóricas presentes em textos do jornalismo econômico escritos por analistas da grande imprensa, além de propor uma aplicação dessa análise para fins de aprendizagem, reflexão e sensibilização.
1. ESTRATÉGIA DE ARGUMENTAÇÃO
Geralmente pouco paramos para analisar os pensamentos e as ações que realizamos no dia a dia, pois eles, por assim dizer, acontecem de forma automática. Nem sempre temos consciência do que fazemos ou falamos. Se estivermos participando de uma gravação de um programa de tv ou rádio e cometermos algum lapso na comunicação de alguma mensagem, no que diz respeito a construção das expressões, é possível que se faça um “corte” para que seja reiniciada a fala. Mas, quando estamos ao vivo, a situação é diferente. Falou, está falado.
É importante observar o que se encontra subjacente em nossa mente quando fazemos uso da linguagem, digamos, naturalmente, no “falou, está falado”. Certamente, há de se ter alguma canalização que permita essa realização. Então, como descobrir as linhas de conduta a que fazemos uso no automatismo dos fatos?
Levando em consideração que a comunicação está inserida no mesmo sistema conceptual que usamos para pensar e agir, Lakoff e Johnson (2002, p.46) apontam a linguagem como “uma fonte de evidência importante de como é esse sistema”.
A língua reflete a nossa estrutura cognitiva, mental, desenvolvida ao longo da história. A nossa interação com o ambiente físico, as experiências sensoriais e motoras, as correlações sistemáticas entre as emoções e as pressuposições culturais são fatores observados no paradigma cognitivista.
Inseridos nessa área do conhecimento, Lakoff e Johnson categorizam as metáforas, estabelecendo inferências que refletem nossa estrutura perceptual de visão.
Para enveredarmos no conceito da Metáfora Estrutural, tomemos o conceito de TEMPO e a metáfora TEMPO É DINHEIRO. Várias expressões, ou melhor, metáforas lingüísticas, absorvem essa metáfora.
Vejamos algumas:
(5) Aproveite seu tempo para
investir no estudo.
(6) Quanto tempo você precisar, estarei a sua disposição. Afinal, devo muitos favores a seus pais, pois eles se dedicaram o quanto puderam para que eu chegasse onde estou.
(7) Esta noite de estudo
é para pagar a dívida que você acumulou durante o ano. Não estudou nos
quatro bimestres, agora corre o risco de perder o ano escolar.
(8) Não desperdice tempo
com essas coisas.
(9) Aquele erro me custou tão
caro que tive de passar a noite em claro.
(10) Eu não tenho tempo
para perder conversando abobrinhas.
Observemos que os vocábulos investir, devo, pagar, dívida, desperdice, custou, tenho e perder mantêm uma relação sistemática com DINHEIRO, ou seja, são palavras do vocabulário de DINHEIRO. Isso faz com que TEMPO seja explicitado de modo mais estruturado.
Por trás das expressões (5), (6), (7), (8), (9) e (10) encontramos a Metáfora Conceptual TEMPO É DINHEIRO.
A metáfora conceptual, portanto, é aquela que percebe um conceito em termos de outro, pensa coisas menos estruturadas em termos de outras mais estruturadas, permitindo entender os domínios da experiência (espacial, social e emocional) um em termos do outro. Estará sempre envolvendo dois domínios conceptuais.
Vejamos agora um exemplo de metáfora conceptual encontrado no livro Metáforas da vida cotidiana (2002, p.46):
DISCUSSÃO É GUERRA
(11)
Seus argumentos são indefensáveis.
(12) Ele atacou todos os
pontos fracos da minha argumentação.
(13) Suas críticas foram
direto ao alvo.
(14) Destruí sua argumentação.
(15) Jamais ganhei uma
discussão com ele.
(16) Você concorda? Ok,
atire!
(17) Se você usar essa
estratégia, ele vai esmagá-lo.
(18) Ele derrubou todos os
meus argumentos.
Indefensáveis, atacou, direto ao alvo, destruí, ganhei, atire, estratégia e derrubou são segmentos enquadrados dentro do contexto de uma GUERRA.
As Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) , numa situação de GUERRA, mantêm-se em posição segura e, através de determinadas estratégias, procuram fazer com que o oponente seja desestabilizado a ponto de não ter como se defender ao receber um ataque. Assim fica mais fácil ganhar a batalha, destruir o inimigo, atirando direto no alvo.
Nos exemplos (11), (12), (13), (14), (15), (16), (17) e (18), naturalmente, não encontramos uma batalha física. No entanto, trata-se de uma batalha verbal, refletida na estrutura de uma DISCUSSÃO. DISCUSSÃO está parcialmente compreendida em termos de GUERRA.
Essas considerações nos levam a perceber que DISCUSSÃO É GUERRA é uma metáfora conceptual subjacente presente na nossa cultura, que serve para estruturar as ações que desenvolvemos numa DISCUSSÃO.
Magno dicionário brasileiro da Língua portuguesa (1998, p.185) conceitua a metáfora como uma “figura de estilo em que uma palavra é substituída por outra, por força de uma analogia que há entre ambas e que dá maior força ao que se quer exprimir”.
Sobre a mesma palavra, Aurélio (1977, p.257) diz: “tropo em que a significação natural duma palavra é substituída por outra com que tem relação de semelhança”.
Pasquale Cipro Neto (2003, p.191) trata a metáfora como sendo a figura de linguagem básica: “Com ela, altera-se a significação própria da palavra”.
Para Lakoff e Johnson (2002, p.47) nenhuma das definições citadas acima se enquadram na metáfora, pois “a essência da metáfora é compreender e experienciar uma coisa em termos de outra”.
Em suma, fundamentalmente, a Teoria da Metáfora Conceptual, ao afirmar que o sistema conceptual humano está metaforicamente estruturado, vai mostrar que os processos do pensamento estão em grande parte definidos metaforicamente.
A metáfora conceptual, conseqüentemente, é sistemática. Observamos, por meio da metáfora TEMPO É DINHEIRO, que palavras provenientes do vocabulário de DINHEIRO, como, por exemplo, investir, devo, pagar, dívida, desperdice, custou, tenho e perder configuram um modo sistemático de expressar os aspectos financeiros de atitudes temporais, ou seja, TEMPO é um bem valioso; assim como indefensáveis, atacou, direto ao alvo, destruí, ganhei, atire, estratégia e derrubou sistematizam os aspectos bélicos do ato de discutir.
A essas metáforas conceptuais, cujo conceito é estruturado metaforicamente por outro, chamaremos de Metáfora Estrutural.
Toda a análise que será realizada com o corpus (textos do jornalismo econômico da grande imprensa) terá como base os aspectos da Metáfora Estrutural.
No entanto, é importante falar que a Teoria da Metáfora Conceptual não se limita às informações ditas no item anterior. Lakoff e Johnson também apresentam uma outra forma de conceito metafórico, a que chamaremos de Metáforas Orientacionais.
Agora não se trata de estruturar um conceito em termo de outro, mas de organizar todo um sistema de conceitos em relação a um outro, tendo, em sua maioria, a ver com a orientação espacial para cima – para baixo , dentro – fora , frente – trás, em cima de – fora de , fundo – raso , central – periférico.
Há toda uma relação entre os corpos que temos e a questão de eles funcionarem do modo que funcionam no nosso ambiente físico.
Por exemplo, ao acordarmos, levantamos da cama para iniciarmos nossas atividades. Caminha-se na posição vertical, nunca na horizontal. Isso indica vida, bem-estar. Daí a relação para cima – para baixo. Nessa visão, a posição horizontal seria uma posição fúnebre, que denota tristeza, insatisfação, infelicidade.
Quando se está para cima, conclui-se que tudo está bem. Quando se está para baixo, então tudo vai mal.
Com isso, observamos que a organização de um sistema em relação a um outro não é arbitrária. As metáforas orientacionais estão baseadas na nossa experiência física e cultural.
Evidentemente, sabemos que as oposições binárias para cima – para baixo, por exemplo, são físicas em suas naturezas. Mas, é preciso lembrar que as orientações metafóricas, a que elas estão relacionas, podem variar de uma cultura para outra.
No Brasil, flores vermelhas denotam amor. Geralmente, no dia dos namorados todo o estoque de flores vermelhas é vendido. No entanto, pode ser que em um outro país do mundo o vermelho represente o ódio. Por isso, falamos que o fator cultural é fundamental.
Vejamos as metáforas de orientação para cima – para baixo, estudadas por William Nagy (1974) apud Lakoff e Johnson (2002, p.60):
FELIZ É PARA CIMA.
(19)
Eu estou me sentindo para cima.
(20)
Aquilo levantou meu moral.
(21)
Meu astral subiu..
(22)
Você está de alto astral.
(23)Pensar
nela sempre me levanta o ânimo.
TRISTE É PARA BAIXO.
(24)
Estou me sentindo para baixo.
(25)
Estou deprimido.
(26)
Ele está mesmo para baixo estes dias.
(27)
Eu caí em depressão.
(28) Estou no fundo do poço.
Há, nas expressões acima citadas, uma sistematicidade interna coerente.
No exemplo (19) afirmamos que FELIZ É PARA CIMA; e no (25), observamos que TRISTE É PARA BAIXO.
Falamos que esta sistematicidade é coerente porque nunca diremos o exemplo (28) para nos referir à orientação metafórica FELIZ É PARA CIMA, nem para afirmar que FELIZ É PARA BAIXO. Afinal, quando se está feliz, geralmente, aparecem movimentos verticais do tipo pular, dançar, entre outros. Às vezes, um atleta, por exemplo, até se deita, numa atitude de alívio porque acabou a competição, tendo sido vitorioso. Mas, quando recebe a medalha o mesmo se encontra de pé.
Nas expressões (19), (20), (21), (22) e (23) observamos, através do aspecto físico, uma postura ereta correspondendo a um estado emocional positivo. Em (24), (25), (26), (27) e (28), postura caída, que vem a tona por meio da tristeza e da depressão.
Contudo, Lakoff e Johnson observam que ainda sabemos muito pouco a respeito de bases experienciais das metáforas. A base experiencial é de fundamental importância para que possamos entender os resultados das metáforas que se baseiam em tipos distintos de experiência, não combinando entre si.
Eles citam, como exemplo, a metáfora DESCONHECIDO É PARA CIMA, (29) Esta idéia está no ar; e CONHECIDO É PARA BAIXO, (30) O problema está colocado. A base experiencial dessa metáfora se aproxima daquela da metáfora estrutural COMPREENDER É PEGAR, (31) Eu não consegui pegar a explicação. Consoante Lakoff e Johnson (2002, p.69), “é mais fácil pegar algo e olhar cuidadosamente se estiver no chão em um local fixo do que se estiver flutuando no ar ”.
Contudo, não há coerência entre DESCONHECIDO É PARA CIMA com metáforas do tipo BOM É PARA CIMA e TERMINADO É PARA CIMA. Inclusive, o normal seria aproximar TERMINADO de CONHECIDO, mas a metáfora orientacional DESCONHECIDO É PARA CIMA tem uma base experiencial diferente daquela de TERMINADO É PARA CIMA.
Além da simples orientação, encontramos uma outra base para a compreensão do conceito metafórico, concebida pela nossa experiência com substâncias e objetos físicos. Trata-se das Metáforas Ontológicas.
Com elas podemos identificar nossas experiências como entidades ou substâncias, referir-nos a elas, categorizá-las, agrupá-las, quantificá-las, raciocinando, dessa maneira, sobre elas. Tudo isso são formas de conceber eventos, atividades, emoções idéias como entidades e substâncias.
Vejamos alguns exemplos de Lakoff e Johnson, do livro Metáforas da vida cotidiana (2002, p.77-78):
Referir-se
(32)
Meu medo de insetos está enlouquecendo a minha mulher.
(33)
Aquela foi uma bela pegada.
(34)
Estamos trabalhando em direção à paz.
Quantificar
(35)
Terminar este livro exigirá muita experiência.
(36)
Há tanto ódio neste mundo.
(37)
Há muita hostilidade em você.
Identificar
aspectos
(38)
O lado mau de sua personalidade vem à tona sob pressão.
(39)
A brutalidade da guerra desumaniza todos nós.
(40)
A sua saúde emocional tem deteriorado recentemente.
Identificar
causas
(41)
A pressão de suas responsabilidades causou o seu esgotamento.
(42)
Ele fez aquilo de raiva.
(43)
A nossa influência sobre o mundo tem declinado pela nossa falta de fibra moral.
Nem sempre percebemos as metáforas ontológicas como metáforas. Assim como as orientacionais, elas servem para uma diversidade limitada de objetivos. Simplesmente entender uma coisa não física como uma entidade ou substância não nos permite observá-la muito. Vejamos, então um exemplo mais elaborado dado por Lakoff e Johnson (2002, p.79):
MENTE É UMA MÁQUINA
(44)
Ainda estamos remoendo a solução para essa equação.
(45)
A minha mente simplesmente não está funcionando hoje.
(46)
Estou um pouco enferrujado hoje.
(47)
Temos trabalhado neste problema o dia todo e agora está faltando gás.
Não podemos deixar de falar na personificação, considerando que as metáforas conceptuais se realizam, em grande escala, na concepção de entidades não-humanas em termos de motivações, características e atividades humanas.
(48) A tese de Richard Bomberger gerou um novo conceito na Educação de
jovens e Adultos.
(49) A tuberculose o
visitou.
(50) o seu carro responde
num piscar de olhos, diante da ameaça de perseguição.
Nos exemplos acima, podemos constatar que algo não-humano está sendo
tratado como algo humano. Lakoff
e johnson (2002, p.88) advertem:
“(...)
a personificação não é um processo geral e único. Cada personificação
difere em termos dos aspectos humanos que são selecionados.”
Vejamos agora este exemplo
de Lakoff e Johnson (2002, p.88):
(51) A inflação atacou o alicerce
de nossa economia.
(52) A inflação nos
colocou contra a parede.
(53) O nosso maior inimigo
agora é a inflação.
Como podemos observar, nos exemplos citados acima, a inflação está
personificada, o que nos leva a metáfora INFLAÇÃO É UMA PESSOA.
Contudo, é preciso ir mais
além, e observar que a metáfora conceptual subjacente organiza este conceito
de modo mais específico e sistemático: INFLAÇÃO É UM ADVERSÁRIO.
Não se trata apenas de uma “pessoa”, mas de “alguém” a quem
temos de declarar guerra, considerando a situação desconfortável a que ela
nos coloca, a ponto de nos levar a ruína.
As metáforas cobertas pela
personificação são extensões de metáforas ontológicas, considerando o dado
sentido a fenômenos do mundo em termos humanos.
Sabemos que a metáfora nos leva a compreender uma coisa em termos de outra, não é somente um recurso poético ou retórico, nem se limita a uma questão de linguagem. E sobre a metonímia, o que dizer?
Lakoff e Johnson afirmam que a metonímia parcialmente tem o mesmo uso que a metáfora, mas que são processos de natureza diferente. Consideram, por exemplo, que também na metonímia ocorre o uso de uma entidade para se referir a outra.
Eles incluem na categoria de metonímia o que os retóricos tradicionais chamam de sinédoque, em que a parte representa o todo. Vejamos os seguintes exemplos:
(54)
A bicicleta está congestionando nossas calçadas. ( = o conjunto de bicicletas)
(55) Precisamos de sangue
novo na seleção. ( = pessoas novas)
Convém ressaltar a função referencial exercida pela metonímia:
(56) Gosto de ler o José de
Alencar. ( = o que José de Alencar escreveu)
Lakoff e Johnson consideram, no entanto, que, além da função referencial, a metonímia exerce a função de propiciar o entendimento. Dizem que em PARTE PELO TODO, por exemplo, diversas partes podem representar o todo e que conceitos metonímicos desse tipo estão ligados ao modo como agimos, pensamos e falamos no cotidiano.
PARTE PELO TODO
(57)
Ponha seu traseiro aqui.
(58) Nós não contratamos
cabeludos.
PRODUTOR PELO PRODUTO
(59) Ele comprou um Ford.
(60) Ele tem um Picasso em
seu gabinete.
LUGAR PELA INSTITUIÇÃO
(61) A Casa Branca não está se pronunciando.
(62) Hollywood não é mais o que era.
Como observamos, a sistematicidade é um recurso presente também nos conceitos metonímicos. Eles não acontecem de maneira aleatória. Há, portanto, uma razão de existir, na qual os aspectos culturais têm grande influência.
Nossa proposta de análise, conforme as considerações iniciais deste trabalho, vai ao encontro da desmistificação da dicotomia linguagem literária – linguagem cotidiana. Consideramos que a linguagem figurada não é um privilégio da linguagem literária e que a linguagem cotidiana é densamente, e por excelência, metafórica. Isto nos permite afirmar que a metáfora está presente em todos os tipos de linguagem, seja ela cotidiana ou, até mesmo, científica.
Gostaríamos de ressaltar que a coleta do material para análise ocorreu entre o período da eleição e o da posse do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, contemplando principalmente os assuntos vinculados à inflação, altamente carregados de expressões metafóricas. O corpus que será apresentado a seguir é apenas uma amostra dos textos selecionados para análise.
Tendo apresentado a base teórica, com as quais trabalham Lakoff e Johnson, vale salientar que daremos prioridade as metáforas estruturais, a fim de contemplarmos os objetivos deste trabalho. Naturalmente, ao verificarmos as metáforas estruturais encontraremos também as ontológicas e as orientacionais.
Para selar todo o conteúdo exposto, passaremos a observar as metáforas conceptuais presentes no texto “As mil faces da inflação”, de Miriam Leitão, publicado no Diário de São Paulo, em 06 de dezembro de 2002:
“Esta
semana, o assunto inflação esteve onipresente no noticiário. Foi farta a
coleta de números acima do esperado. No mês de dezembro, os índices serão
menores, e pode se criar a falsa impressão de que o problema está se
dissolvendo. Não está. Há alguns alertas que uma veterana jornalista que
escreve sobre inflação a mais de vinte anos deve fazer. O primeiro é que a
inflação é um inimigo de mil faces.
Disseram
para Lula que não era uma inflação de demanda e que ele não deveria se
preocupar, mas ele suspeita que é mais grave. Suspeita certa.
Alguns
economistas gostam de classificações e se dividem correntes de diagnósticos.
A inflação que está reaparecendo, se bem a vejo, é monetária, inercial,
defensiva, de demanda, de custos, de choque, de expectativas.
Às
vezes, os preços sobem e não é inflação. É mudança de preços relativos.
Uma
entressafra faz subir os preços dos alimentos, mais os preços industriais não
sobem, por exemplo, o risco é aumento generalizado de preços e esta sensação
de que há um processo de contágio e que o problema pode ficar endêmico.
Parte
da inflação é resultado da alta de preço básicos da economia: o dólar. A
moeda americana subiu sessenta por cento este ano. Isto tem efeito na economia,
mas não é inevitável. Em 99, a taxa ficou em um dígito na mais abrupta elevação
do dólar que o Brasil teve. E, naquele momento, era mais perigoso. O câmbio
regido havia sido usado como ferramenta na estabilização dos preços. Pareceu
ao momento que, sem ela, a hiperinflação voltaria. Não voltou pelas mudanças
que havia ocorrido na economia e até na psicologia do país enquanto o câmbio
esteve controlado.
Na
época, os empresários cortaram custos, margem de lucro, absorveram parte do
aumento do dólar e não repassaram. O consumidor não permitiu, a competição
com produtos mais baratos e sem marcas ameaçou os líderes. Mas agora o repasse
está aumentando.
Há
uma parte da inflação que é de demanda. Final do ano, a demanda sempre sobe.
Basta olhar os números de venda. A liberação do FGTS joga dois bilhões na
economia mensalmente. Mas este é apenas um ingrediente.
Uma
parte da inflação se explica pela mais velha das teorias: a monetária. Houve
uma expansão da base monetária nos últimos meses pela dificuldade de rolagem
da dívida interna. A expansão da base, como falei aqui na terça, põe mais
dinheiro em circulação e realimenta outras causas.
Uma
parte é puramente inercial. O efeito da alta do dólar é mais sentido nos índices
que tem na sua cesta os preços do atacado e são estes índices que corrigem as
tarifas. O perigoso é que o IGP-M que chegou ao espantoso número de cinco por
cento indique inflação futura. Este número estará nos preços da energia no
ano que vem. Qual é o melhor a fazer? Intervir nos contratos de concessão das
empresas privadas e mudar o índice? Negociar uma saída?
A
futuras equipe econômica tem que desarmar a bomba respeitando os contratos,
protegendo o consumidor e evitando a descapitalização das empresas. Não será
fácil.
Os
preços dos alimentos sobem e há várias razões. Veja-se o milho, por exemplo.
No começo do ano, o preço da soja no mercado internacional subiram. O que foi
ótimo para a balança comercial. Os produtores diminuíram plantações de
milho e aumentaram a de soja. Milho raramente dá para gasto no Brasil e, com
este movimento, os preços subiram muito. Na BMF, quem comprou a R$ 12, no começo
do ano, vende agora a R$ 30. O problema do milho é a galinha. Frango é milho
andando. Portanto, quando o produto sobe afeta o grupo carne. Nos alimentos,
alguns sobem por causa conhecida, outros por contágio.
Preços
sobem por contágio quando há uma impressão que haverá mais inflação no
futuro. As expectativas jogam um peso fundamental. Neste exato momento, dentro
da cadeia produtiva, milhões de transações estão sendo feitas. Em cada uma
delas, o vencedor se pergunta qual vai ser a inflação futura e o comprador não
se sabe assegurar. Se ambos tiverem informações das autoridades monetárias de
que serão implacáveis no combate ao aumento de preços, o comprador se negará
a fechar a venda com preço maior e o vendedor terá que recuar sobre o risco de
não vender seu produto sendo punido pela taxa de juros. Se houver incerteza,
será feito o aumento defensivo.
Há
a impressão de que o PT será mais leniente com inflação. Isto por declaração
e atos passados e falta de definição futura. Contra isso, o partido precisa
lutar com atos e palavras. Anunciada a nova equipe econômica, ela terá que
definir exatamente como enfrentará a inflação. Se a âncora não for a meta
de inflação, qual será? Estará a próxima equipe disposta a tudo que for
necessário? Se o PT vier de novo com sua idéia de resolver isso numa câmara
setorial, num acordo de preços e salários, vai apenas realimentar a inflação.
Existem muitos remédios e alguns estão errados. Este cria a inflação, não a
debela.
A humanidade derrotou a tuberculose quando descobriu o ataque triplo: três poderosos antibióticos que, em ataque simultâneo, venciam o bacilo. Para inflação, não existe um único remédio. A reação tem que ser em várias frentes. Um estudante me escreve dizendo que sua mãe ficou preocupada com meu comentário. Aviso que aqui estarei batendo bumbo. Vou bater bumbo toda vez que a inflação voltar a mostrar qualquer das suas mil faces. Eu sei, porque vivi o mal que a inflação pode fazer a um país.”
Analisando o texto citado acima, facilmente identificamos uma variedade de metáforas estruturais, fato que nos leva a constatar como é freqüente o uso de metáfora em textos do jornalismo econômico.
Vejamos:
INFLAÇÃO É UM ADVERSÁRIO PERIGOSO
(63)
A inflação é um inimigo de mil faces.
(64)
(...) voltar a mostrar qualquer das suas mil faces.
Um adversário é sempre um oponente, chamado de inimigo sobretudo quando se enquadra no grau de alta periculosidade. De um inimigo devemos esperar de tudo um pouco, principalmente que ele apresente mil faces. E é assim que se comporta a inflação. Como um inimigo que, a qualquer momento, pode apresentar uma cara diferente e ferina.
Nessa relação de similaridade, em que se constroem as metáforas lingüísticas (63) e (64), dentre outras, encontramos a metáfora conceptual INFLAÇÃO É UM ADVERSÁRIO PERIGOSO. Há, portanto, uma relação visível entre estes dois domínios que nos leva a metáfora em evidência.
INFLAÇÃO É UMA DOENÇA
(65) (...) ele suspeita
que é mais grave.
(66) Alguns economistas
(...) se dividem em correntes de diagnóstico.
(67) (...) sensação de que
há um processo de contágio (...)
(68) (...) o problema pode
ficar endêmico.
(69) (...) alguns sobem por
causa conhecida, outros por contágio.
(70) Preços sobem por contágio.
(71) (...) o PT será mais
leniente com a inflação.
(72) Existem muitos
remédios (...)
(73) (...) não existe um único
remédio.
Quando selecionamos a metáfora INFLAÇÃO É UMA DOENÇA, observamos estabelecimento de similaridades entre inflação e doença. Doença diagnosticada, que pode ser grave, endêmica, contagiosa; estes também constituem efeitos da inflação. Há doenças que não pode ser tratada apenas com um medicamento. Algumas, inclusive, resistem a diversos medicamentos. Da mesma maneira acontece com a inflação. Nem todo procedimento é pertinente, exeqüível, eficaz. E alguns esforços são necessários a fim de conter seus estragos.
A metáfora INFLAÇÃO É UMA DOENÇA é apropriada a nossa experiência por causa dessa similaridade que é metaforicamente induzida.
INFLAÇÃO É GUERRA
(74) A futura equipe econômica
tem que desarmar a bomba (...)
(75) Ela terá que definir
exatamente como enfrentará a inflação.
Ter de enfrentar uma estratégia opositora exige planejamento, a elaboração de uma tática que norteie os procedimentos de combate. É preciso estar pronto para desarmar bomba. Enfim, a situação de guerra exige atenção e medidas coerentes.
Esta relação que há entre o que acontece quando encontramos uma situação de guerra e os estragos que a inflação pode causar ou representar a uma sociedade é o que nos leva a constatar a similaridade que conduz o uso de um conceito estruturado, como o de guerra, para estruturar ou tornar mais claro um outro conceito, aqui, no caso, o de inflação. Daí, chegamos a metáfora conceptual INFLAÇÃO É GUERRA.
Na comunicação fazemos uso de metáforas espaciais sobretudo pela relação que firmamos com aspectos físicos somados aos de ordem cultural.
No entanto, observar algo em termos de OBJETO RECIPIENTE como numa orientação DENTRO – FORA não traz informações precisas. O conceito metafórico pode ser especificado, por assim dizer, de modo mais preciso, mais latente em nosso sistema conceptual. Isso possibilita, além do detalhamento, o levantamento de aspectos importantes do conceito, podendo salientá-los e obscurecê-los.
Na busca dessa precisão, encontramos as metáforas estruturais, sobre as quais falamos no início deste trabalho. Por razões já expressas, observamos que elas fornecem a mais rica fonte de elaboração das metáforas conceptuais.
As metáforas estruturais não se limitam a orientar conceitos, nem à questão da quantificação, dentre outros aspectos observados pelas metáforas orientacionais e ontológicas. Elas somam tudo isso, e mais: possibilitam o uso de um conceito detalhadamente estruturado e delineado de maneira clara para estruturar um outro conceito.
É certo que as correlações sistemáticas encontradas na nossa experiência são características importantes das metáforas conceptuais. Há toda uma sistematicidade subjacente que proporciona a coerência metafórica, fazendo com que a metáfora seja bem sucedida, atingindo seu objetivo.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
LAKOFF, George & JOHNSON, Mark. Metáforas da vida cotidiana. Campinas: Mercado de Cetras, 2002.
MAIA, Raul. Magno dicionário brasileiro. São Paulo: Difusão cultural do livro, 1998.
MOITA LOPES, L P. Oficina de lingüística aplicada. São Paulo: Mercado de letras, 1996.
NETO, Pasquale Cipro. Nossa língua em letra e música. São Paulo: Publifolha, 2003.